Questões comuns em transporte e logística já encontram algumas respostas com o uso de inteligência artificial (IA). Empresas do ramo, seja de trens, ônibus ou caminhões, têm buscado tecnologias para operar com maior segurança, roteirização mais eficiente e gestão de equipes com intervenções que tanto ajudam a reduzir o número de horas extras como definir o perfil adequado do profissional para cada entrega. Mas as empresas admitem que o uso de IA está apenas no começo e, para muitas, um grande desafio a ser vencido é a organização de dados.
Na Rumo Logística, a ênfase da IA está em eficiência e segurança e, segundo o diretor de tecnologia, Marco Andriola, as soluções partem da pergunta “o que queremos resolver com inteligência artificial?”. Um dos passos para o uso de novas ferramentas foi o investimento em comunicação, com uma parceria com a Embratel e a Nokia. As locomotivas podem se comunicar com a central de operações por satélite, rádio ou 4G, de acordo com o melhor sinal encontrado em serras, túneis e outros locais.
A empresa administra 14 mil km de ferrovias e, com a migração de sua computação para a nuvem e dados em tempo real, deu outros passos. A malha tem sensores que medem se o trilho está quebrado, se há queda de barreiras e até qual é a temperatura das rodas. “Esses dados alimentam o centro de circulação e o sistema de manutenção para que possamos tomar decisões, por meio de IA, do que devemos atacar, seja parar um trem ou fazer outra intervenção”, diz Andriola. A decisão precisa ser tomada com antecedência, porque os trens não param de imediato, sob risco de tombamentos. O que consumia tempo, como traçar cenários manuais para as áreas de cruzamentos dos trens em circulação, hoje é feito em segundos.
Em outra frente, com locomotivas semiautônomas, que usam a tecnologia “trip optimizer”, a empresa reduziu em 4% o consumo de combustível, ou 10 milhões de litros por ano. A Rumo ainda caminha para que o trem opere sozinho, sem maquinista, em até três anos. Também fez parceria com a Prefeitura de Curitiba, onde fica sua sede, e o Departamento de Trânsito do Paraná para testes de passagem em nível sensoreada para diminuir riscos de colisão e atropelamento em perímetros urbanos. Novidades estão a caminho e contemplam o uso de dados e de imagens, adianta o diretor.
Da ferrovia para as estradas, a operadora rodoviária de cargas BBM Logística finaliza um projeto que, em 2025, a levará a novo patamar no uso de dados. “Decidimos ser uma empresa de tecnologia que faz transporte”, explica o presidente, Antonio Wrobleski. Entre os benefícios do uso de IA, ele cita redução no consumo de combustível, previsibilidade de demanda e roteirização mais rápida e econômica. O roteirizador foi adotado em parte da operação e, com ele, há economia de 8% a 15% no uso da frota. Como a BBM tem 5.000 veículos, entre leves e pesados, se a economia média for de 10%, serão 500 unidades a menos rodando.
Decidimos ser uma empresa de tecnologia que faz transporte”
— Antonio Wrobleski
A IA indica ainda o melhor condutor para atuar em rotas longas ou curtas, porque detecta fadiga, e poderá reduzir o custo com seguros ao mudar rotas consideradas perigosas. Segundo Wrobleski, é só o começo do uso da tecnologia.
Para o CEO da plataforma de soluções logísticas Cargon, Denny Mews, o segmento ainda está se preparando para usar a IA. “Há muito a ser organizado”, diz. Uma das dificuldades em termos de dados, acrescenta, é o fato de que grande parte das empresas no Brasil tem até cinco caminhões. “Não é algo caro, mas modifica processos. A escala de uso será maior a partir do ano que vem”, avalia. Na Gritsch Logística, a experiência com IA começou há seis meses, com roteirização das entregas expressas. Os ganhos estão sendo medidos, mas o diretor-executivo, Ricardo Gritsch, diz que a empresa já observou redução em tempo e custo. Por enquanto, optou por manter o modelo tradicional nos transportes de malotes de bancos e Correios.
Empresas de transporte de passageiros também estão usando IA. No Recife, a operadora de sistemas de ônibus MobiBrasil adotou soluções da israelense Optibus para melhorar a eficiência. A empresa passou a fazer combinações de veículos, motoristas e rotas e, ao melhorar as escalas, a empresa reduziu as horas extras de 14,5% para 6,5% – a meta é chegar em 3% -, a ociosidade e o passivo trabalhista. “Passamos por um período de aprendizagem e ainda não usamos todas as ferramentas”, conta Ricardo Rios, gerente de planejamento na capital pernambucana.
A Optibus também foi adotada em municípios de Estados como Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.
Os investimentos que as empresas têm feito, porém, nem sempre geram o retorno financeiro esperado, segundo pesquisa da McKinsey Brasil no seguimento de supply chain, que envolve a área logística. Das 34 entrevistadas de diversos setores, 13% avaliam extrair o máximo impacto de tecnologias combinadas nos processos, enquanto 21% responderam que não estão extraindo o potencial total e 66% ainda estão começando a jornada.
Segundo o levantamento, as companhias reconhecem que as tecnologias têm grande potencial de gerar impacto financeiro. “O ponto chave é escalar para o que vai gerar valor, criar processos e desenvolver habilidades”, diz Edson Guimarães, sócio associado de supply chain da McKinsey.
A CPOs 2024, pesquisa do Procurement Club, mostra que 26% dos entrevistados planejam priorizar IA para compras e 26% vão investir em ferramentas e métodos de automação. “Isso confirma a visão de que a tecnologia é um dos focos principais para melhorar a performance”, diz André Gurgel, CEO do Procurement Club. “Estamos arranhando a superfície da IA, mas muitos ainda não sabem o potencial de evolução”, opina.